O Oculltismo no Islã
Primeiro, vamos entrar no tema com algumas questões básicas do Islã, especialmente sobre as diferentes ramificações dentro do islamismo. A meados do século VII, os confrontos entre os seguidores dos diferentes sucessores do profeta Maomé criaram um grande cisma no Islã. Por um lado, os islâmicos ortodoxos, conhecidos como sunitas, fervorosos defensores do califa Abu Bakr, e por outro, os xiitas, que reivindicavam o califado para Ali ibn Abi Talib, o marido de Fátima, a luminosa, filha do profeta Maomé. Essa profunda divisão na comunidade muçulmana terminou em um confronto aberto, onde os xiitas terminaram perdendo. Ali foi assassinado, e seus filhos, os netos de Maomé, correram destinos similares. Seu filho mais velho, Hasan, foi envenenado em Medina; seu filho mais novo, Husayn, caiu na batalha de Karbala, uma das batalhas mais brutais, desiguais e ao mesmo tempo heroicas de todos os tempos; e sua filha Sakina foi assassinada enquanto seria extraditada do Egito. As mortes de Hasan e Husayn continuam sendo lembradas anualmente pelos xiitas durante o Muharram.
Por sua vez, os xiitas também se subdividiram sobre a questão dos sucessores de Ali, desta vez em quatro facções. A quarta dessas facções se dividiu em duas seitas, ambas mantiveram sua lealdade aos descendentes de Ali até Jaafar al-Sadiq. Mas enquanto um partido, conhecido como os Imames, apoiou a linha de sucessão através de seu filho mais novo, Musa, os outros apoiaram o filho mais velho, Ismail, e foram chamados de ismaelitas. Esta foi uma corrente muito especial, já que, até o momento, apesar de suas divisões, nenhuma ramificação havia se desviado nunca das doutrinas fundamentais do islamismo. Mas os ismaelitas abraçavam um conceito muito distinto, algo que pode soar estranhamente familiar para aqueles que acompanham esta série.
Eles acreditavam que o Alcorão não era apenas uma mensagem literal ou exotérica, mas que seu verdadeiro valor consistia em ser uma mensagem cifrada ou esotérica que encerrava conhecimentos secretos que só podiam ser interpretados por iniciados em certos mistérios. Essa mensagem criptografada, por sua vez, era uma metáfora de um terceiro nível ainda mais oculto, e assim sucessivamente até um determinado número de camadas. Quantos níveis tinha essa escada do céu? Obviamente, sete. E cujo último nível só era conhecido por Deus.
A seu turno, várias subcorrentes ismaelitas abraçavam um conceito muito especial: consideravam que qualquer crente, qualquer crente iniciado, quero dizer, pode ser seu próprio intérprete da mensagem divina. Também acreditavam que os números têm significados religiosos; o número 7, claro, desempenha um papel principal em sua teologia, incluindo especulações místicas sobre a existência de sete céus, sete continentes, sete orifícios no crânio, sete dias na semana, etc. Por que esses conceitos nos soam tão familiares?
Segundo os especialistas, os ismaelitas teriam adquirido essas características de crenças preexistentes muito presentes no ocultismo oriental da época e da zona, principalmente de certas heresias surgidas do zoroastrismo e da filosofia neoplatônica. Também recordemos que quando o cristianismo tomou controle de Alexandria, os herméticos, cabalistas, neopitagóricos, neoplatônicos e alquimistas correram para se refugiar em territórios muçulmanos para salvar suas vidas.
Agora bem, os imames ismaelitas no Islã são chamados de "imames" aos líderes religiosos tinham um caráter bastante peculiar. Eram considerados homens iluminados e escolhidos por Deus para liderar a humanidade em todos os aspectos da vida, acreditando também que todos os imames escolhidos estavam livres de cometer pecado algum, uma impecabilidade que se chama "isma". A esses líderes deviam ser obedecidos quaisquer que fossem seus desígnios, porque haviam sido designados por Deus. E como os imames ismaelitas foram intensamente perseguidos pelo Califado Sunita de Bagdá para serem encarcerados ou assassinados, esses imames tomariam o costume de se ocultarem, de viver em segredo e de transitar pelas sombras. Ao desconhecer-se a verdadeira identidade do imame, este adquiria uma dimensão ainda mais misteriosa, sendo venerado em segredo por seus seguidores. Pode-se dizer que era algo semelhante a um Grande Mestre, mas aproximadamente no ano 762, um imame de extraordinária influência conseguiu liderar o movimento. Esse homem era Muhammad ibn Ismail, embora não se saiba bem se esse era seu verdadeiro nome, já que, ao ser fortemente perseguido, teve inúmeros pseudônimos. Mas sabe-se que foi o filho de um médico e alquimista do sul de Medina, que também soube ser um imame ismaelita. Este Muhammad Ibn Ismail foi profundamente versado em todas as religiões, foi criado desde pequeno na filosofia do dualismo gnóstico. Ao professar a adesão ao credo xiita ortodoxo e também proclamar o conhecimento das doutrinas místicas secretas dos ismaelitas, Muhammad conseguiu colocar-se à frente dos ismaelitas após a morte de seu pai, quando só tinha 22 anos. Costuma-se dizer que sua defesa do "isma" era uma máscara e que seu verdadeiro objetivo era o misticismo gnóstico aplicado ao Islã, ao qual converteria em um sistema independente mediante a fundação de uma seita conhecida como "Butiniya", que contava com sete graus de iniciação e que, obviamente, ainda existe, embora seja muito pouco o que se sabe deles, já que quando os muçulmanos fazem algo secreto, realmente é secreto.
Apesar disso, Reinhardt Dozy, um arabista e ocultista dos Países Baixos do século XIX, teve a oportunidade de entrar em contato com eles e os descreveu da seguinte maneira:
Aquela era uma vasta sociedade secreta com muitos graus de iniciação. Seus membros, contrariamente ao que se poderia imaginar, eram pensadores livres que consideravam a religião apenas como um freio para o povo. Eram muito tolerantes com iniciados em mistérios semelhantes e trabalhavam pacientemente para construir um partido numeroso, compacto e disciplinado que, a seu devido tempo, levaria ao trono não a si mesmos, mas a seus descendentes. Tal era o objetivo geral dos Butiniya, uma concepção extraordinária que trabalhou com um tato maravilhoso, uma habilidade incomparável e um profundo conhecimento do coração humano. Os meios que adotaram foram ideados com astúcia quase diabólica. Não foi entre os xiitas que buscaram seus partidários, mas sim entre os maniqueístas, pagãos, estudantes de filosofia grega e até os sunitas. Somente em seus iniciados avançados confiavam para desdobrar gradualmente o mistério final e revelar que os imames tradicionais e as religiões das massas não eram mais que uma impostura e um absurdo, sempre esclarecendo que o resto da humanidade era incapaz de entender essas doutrinas. Mas, para alcançar seus fins, de nenhuma maneira desprezavam sua ajuda. Pelo contrário, a solicitavam, mas cuidavam de iniciar almas devotas e humildes apenas até os primeiros graus da seita. Seus missionários estavam treinados para que seu primeiro dever fosse ocultar seus verdadeiros sentimentos e adaptar-se às opiniões de seus auditores. Estes adotavam variadas aparências e falavam de formas distintas dependendo de quem tivessem à frente. Ganham os mais ignorantes e vulgares contando façanhas lendárias ou milagres, ou excitando sua imaginação. Na presença dos devotos, assumiam uma máscara de virtude e piedade, e com os místicos tentavam ser ainda mais místicos, desdobrando os significados ocultos de certas questões ou explicando o sentido figurativo de tal ou qual alegoria. Utilizando esses meios, conseguiram que uma multidão de homens de diversas crenças trabalhassem juntos para um objetivo comum, um objetivo que só alguns poucos deles chegariam a conhecer.
O sistema dos ismaelitas trouxe consigo uma série de eventos muito relevantes para aqueles tempos, e dos quais ainda hoje se escutam ecos. Os Butiniya não foi sua única ramificação; havia outras muito importantes, cujos conhecimentos secretos não eram outros senão a antiga tradição secreta. Outra de suas correntes mais importantes e talvez a que chegou a ser mais poderosa foi a dos Fatímidas.
O fundador da dinastia dos califas fatímidas foi Abu Muhammad Ubaidallah, um imame ismaelita que se autoproclamou Mahdi — esse título, que significa "o Guia", tem um significado escatológico muito profundo, correspondendo a uma figura que supostamente guiará a humanidade em seus últimos dias. Em outros informes já falamos da importância que tem para esses cultos todo o misticismo relacionado com o apocalipse, mais precisamente no cristianismo e no judaísmo, bastante delimitado dentro do movimento milenarista. Então, ainda depois de mudar seu nome para Abdallah al-Mahdi, ele assegurou que, além disso, era descendente de Fátima, a luminosa, e, portanto, de Maomé. Isso, como podem imaginar, lhe valeu ter que fugir do Oriente Próximo e refugiar-se no noroeste africano, no Magrebe, mais precisamente. Estando lá, sua exitosa pregação entre os berberes — já sabemos os métodos que utilizavam — levou-o a uma popularidade e influência tais que se proclamaria califa no ano 909, criando assim o Califado Fatímida. Este reivindicava ser a descendência de Fátima e seria o primeiro e único califado não só xiita, mas especificamente ismaelita. Um califado que, em seu momento de maior apogeu, chegaria a controlar quase todo o norte da África, incluído o Egito, mais o Sudão, a Sicília e o Levante mediterrâneo. Décadas de trabalho nas sombras enfim davam frutos. Pouco a pouco, o califado iria expandindo sua área de poder por toda a região do Norte Africano, especialmente sobre o Egito, sob o mandato do quarto califa dessa dinastia, Al-Muizz.
Sob seu comando, seria fundada a futura capital em 972, sobre os restos de ruínas romanas junto ao Nilo, a poucos quilômetros ao sul de Heliópolis, que havia sido uma das capitais do conhecimento secreto da antiguidade. Essa cidade se chamaria Al-Qahira, "A Triunfante", ou como prefiro chamá-la, "O Triunfo". Hoje a conhecemos pelo nome de Cairo. Nesta cidade, instituíram-se quatro assembleias quinzenais que incluíam tanto homens quanto mulheres, algo que no islamismo ortodoxo daquela época seria algo como uma loucura total. Essas assembleias seriam conhecidas como Sociedades de Sabedoria. No ano 1004, estas adquiriram maior importância pela fundação do Dar al-Hikma, ou a Casa do Conhecimento, pelo sexto califa dessa dinastia, Hakim. Um califa que, após sua morte, foi elevado ao nível de divindade e que, inclusive hoje em dia, ainda é adorado pelos drusos.
Mas não nos adiantemos, já vamos chegar a isso. Sob a direção do Dar al-Hikma — para entender bem o que era, podemos imaginar como se fosse a Grande Loja do Cairo —, os fatímidas continuaram o formato de sociedade secreta de Muhammad Ismail, com a adição de dois graus a mais, totalizando nove. Seu método de alistamento proselitista e sistema de iniciação foram transcritos pelo historiador do século XIV Nowairi, em uma descrição que pode ser resumida brevemente assim:
No primeiro grau, ao iniciado se explicava que as doutrinas religiosas eram demasiado abstratas para a mente ordinária, por isso deviam ser interpretadas por homens que tinham um conhecimento especial nessas ciências. O iniciado estava obrigado ao segredo absoluto sobre as verdades que lhe seriam reveladas e também a pagar antecipadamente por elas.
No segundo grau, o iniciado era persuadido de que todos os seus antigos mestres estavam equivocados e de que deveria confiar unicamente naqueles imames dotados da autoridade de Deus.
No terceiro grau, notificava-se que os únicos imames verdadeiros eram os ismaelitas, que eram sete e que terminavam com Muhammad, o filho de Ismail.
No quarto grau, dizia-se que os profetas que precediam os imames que descendiam de Ali também eram sete em número: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Jesus, o primeiro Maomé, e finalmente Maomé, filho de Ismail.
Até o momento, nada se dizia ao iniciado em contradição com os princípios do islamismo ortodoxo, mas no quinto grau começava um novo processo. Agora se lhe dizia para rejeitar as formas mais tradicionais e ignorar os preceitos de Maomé, já que haviam sido manipulados por homens infiéis.
No sexto grau, ensinava-se que todas as celebrações religiosas eram apenas emblemáticas e que, de fato, todas essas coisas eram dispositivos para manter a massa subordinada e acostumada à obediência.
No sétimo grau, introduziam-se as doutrinas do dualismo: uma divindade maior, criadora do espiritual, e uma divindade menor, criadora do material. Destruía-se a unidade de Deus, que é uma doutrina fundamental do islamismo.
No oitavo grau, expressavam-se, ainda que com certa vaguidade, os atributos da primeira e maior dessas divindades, e ensinava-se que os profetas reais eram aqueles que se preocupavam com assuntos práticos, ou seja, instituições políticas e formas de governo.
Finalmente, no nono grau, revelava-se que toda ensinança religiosa era alegórica e que os preceitos religiosos só devem ser respeitados na medida em que seja necessário para manter a ordem, mas que o homem que entende a última verdade pode ignorar todas essas doutrinas. Por isso, Abraão, Moisés, Jesus e os demais profetas foram grandes mestres e filósofos, mas hipoteticamente teriam sido apenas homens que conheciam a verdade final.
Ou seja, toda crença religiosa tradicional era destruída. Se analisarmos, vemos que nos últimos quatro graus toda a ensinança dos primeiros cinco foi revertida. Nas instruções dos mestres, descreviam-se todo tipo de artifícios para alistar prosélitos, sem importar sua etnia ou credo. Os judeus seriam ganhos falando mal dos cristãos, os cristãos falando mal dos judeus, e os muçulmanos da mesma forma, especialmente contra os sunitas, exaltando e referindo-se com respeito a seus imames e califas ortodoxos e, sobretudo, com cuidado de não contradizer as doutrinas dos prospectos. Por esses meios, predisponham-nos para aceitar qualquer chamado.
Mas o Dar al-Hikma do Cairo, a Casa do Conhecimento, se converteria no centro de um novo e extraordinário culto. O sexto califa fatímida e fundador daquele centro foi um governante que costuma ser comparado com Calígula ou Nero. Os historiadores tradicionais costumam chamá-lo de excêntrico, embora eu ache que há vários adjetivos que o descrevem melhor. Entre suas exóticas ocorrências, podemos mencionar que uma vez ordenou sacrificar todos os cães do Egito. Outra vez, proibiu pescar, comer e comerciar com peixes que não tivessem escamas. Também obrigou todo o Cairo a trabalhar à noite e dormir de dia. No ano 1014, decretou que as mulheres não podiam sair à rua e ordenou aos sapateiros que não fizessem mais calçados para mulheres. Matou quantos tutores, visires, funcionários e mestres estiveram por mera diversão, e de vez em quando, quando se considerava mal servido, ordenava cortar as mãos de todas as escravas do palácio, coisa que às vezes fazia pessoalmente. Além disso, tinha especial aversão contra os cristãos e os judeus, para os quais cruzar-se com o califa em um mau dia era quase uma sentença de morte.
Esse doce rapaz, perto do final de seu reinado, fundou uma seita que se conheceria como os drusos, onde o califa deveria ser convertido no objeto de culto. Hakim acreditava que a divindade estava encarnada nele, proclamou-se uma divindade, e o culto seria estabelecido e manejado por um de seus vizires, um místico persa chamado Hamza ibn Ali. As crueldades de Hakim, no entanto, haviam indignado tanto o povo do Egito que um ano depois foi assassinado por uma quadrilha de descontentes liderada por sua própria irmã.
A questão é que, depois de matá-lo, ocultaram seu corpo, circunstância que deu a seus seguidores, os drusos, a oportunidade de declarar que a divindade simplesmente se havia desvanecido e assegurando que o objetivo disso era testar a fé dos crentes, já que reapareceria como o Mahdi e castigaria os apóstatas. Essa crença se converteria na principal doutrina dos drusos do Líbano. Sua liturgia religiosa é tão secreta que é realmente difícil encontrar informação oficial ou de fontes confiáveis, já que até as fontes que podem ser consideradas mais sérias tendem a se contradizer. Sua crença secreta é certamente hermética.
Dentre os dados que podem ser assumidos como verdadeiros, podemos encontrar que, como descendentes dos ismaelitas, os drusos abraçaram a tradição secreta em uma de suas formas mais antigas, um tipo de adoração à natureza muito similar ao antigo sabeísmo, declarando que Deus, a Razão Universal, se manifesta por uma série de avatares, encarnações, das quais Hakim foi a última e que, quando o mal e a miséria aumentarem, voltará a aparecer para conquistar o mundo e fazer de sua religião o credo mundial.
Também sabemos, por manifestações de seus sábios, que acreditam na reencarnação e que os livros sagrados têm significados esotéricos, os quais abrangem três camadas de compreensão: a óbvia ou exotérica, a oculta ou esotérica e o oculto dentro do oculto.
Os drusos têm o costume de celebrar reuniões onde, como no Dar al-Hikma, tanto homens quanto mulheres se reúnem e discutem questões religiosas e políticas. Os iniciados de nível baixo, ainda que possam argumentar, não participam na tomada de decisões, sobre as quais unicamente tem influência o círculo interno da ordem, no qual só se admitem pessoas com o título de sábio. Entre esses membros de alto nível, também possuem modos de reconhecimento, gestos, toques, palavras de paz e outros que, por sua vez, devem ser utilizados em determinada ordem.
Oficial e publicamente, declaram que são uma religião monoteísta abraâmica influenciada pela filosofia de Platão, Pitágoras e Zenão. Assim, já sabemos de que estamos falando. Além disso, postulam publicamente sete preceitos morais como o núcleo de sua fé, os quais são politicamente muito corretos, talvez até demais.