O Culto dos Mortos na Antiguidade: Uma Visão Histórica

O Culto dos Mortos na Antiguidade: Uma Visão Histórica

Hoje vou falar sobre o culto dos mortos, um tema fascinante explorado no livro  A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges. Muitos se perguntam qual era a verdadeira religião dos gregos e romanos. Embora mitologias como as de Zeus e outros deuses sejam amplamente conhecidas, elas não representam a essência da religião greco-romana. Na verdade, a religião deles estava enraizada em práticas cotidianas, rituais domésticos e, principalmente, no culto aos antepassados.


A Religião Doméstica e o Culto aos Mortos

Os gregos e romanos acreditavam que, após a morte, as pessoas continuavam vivendo debaixo da terra. Esses mortos precisavam ser cuidados pelos vivos. Eles recebiam comida, bebida e orações, e túmulos eram construídos com inscrições como "Aqui jaz Fulano". Essa prática literal de cuidar dos mortos era central para a vida familiar. 


Anualmente, famílias levavam oferendas como vinho, leite, frutas e até sacrifícios de animais. O sangue era derramado sobre os túmulos, e os alimentos eram queimados, transformando-se em fumaça para os mortos. Esses rituais garantiam que os antepassados vivessem felizes no além. Caso contrário, eles poderiam se tornar espíritos vingativos, prejudicando os vivos.


Os Mortos como Deuses

Quando uma pessoa morria, ela se tornava um deus para sua família. Esses deuses familiares eram chamados de *lares* (bons) ou *larvas* (maus, caso fossem abandonados). Eles eram adorados em altares domésticos, onde havia sempre um fogo sagrado que nunca podia apagar. Esse fogo simbolizava a presença constante do deus ancestral.


Cada família tinha seu próprio deus, restrito apenas aos seus membros. Era proibido rezar ao deus de outra família, e estrangeiros não podiam entrar nos espaços sagrados das casas. O pai da família era o sacerdote responsável por manter o culto, e essa função passava de pai para filho mais velho.


Casamento e Sucessão

O casamento na antiguidade tinha um papel religioso profundo. Quando uma mulher se casava, ela abandonava o culto de sua família para ingressar no culto do marido. O ritual incluía três etapas: uma despedida simbólica da casa paterna, uma caminhada até a casa do marido e a integração ao novo lar através de sacrifícios. 


Se o pai da família morresse, o filho mais velho assumia automaticamente o papel de chefe e sacerdote. Ele herdava não apenas a casa, mas também a responsabilidade de manter o culto aos antepassados. Vender a casa ou mudar de local era impensável, pois o solo sagrado onde os ancestrais estavam enterrados era inseparável da família.


Adoção e Colonização

Famílias sem filhos homens podiam adotar crianças para garantir a continuidade do culto. A adoção era um ato sério, e o filho adotado deixava de pertencer à família original para se tornar totalmente parte da nova família. Em alguns casos, famílias numerosas fundavam colônias, levando consigo o fogo sagrado e iniciando novos altares em terras consagradas.


A Religião Pública e a Expansão

As famílias compartilhavam laços comuns através de ancestrais distantes, formando grandes grupos chamados de tribos. Essas tribos se uniam para criar cidades, como Roma, onde um altar central abrigava o fogo sagrado da comunidade. Sacerdotes cuidavam desse fogo, que simbolizava a união e a proteção divina.


Eventos públicos, como os Jogos Olímpicos, também tinham raízes religiosas. As cerimônias incluíam sacrifícios e orações ao deus Apolo, associado ao sol. A chama olímpica moderna é uma herança direta desses rituais antigos, onde o fogo era acendido usando raios de sol.


Decadência e Transformação

Com o tempo, a moralidade e a religião tradicional começaram a declinar. Práticas como o divórcio, antes raros, tornaram-se mais comuns. No entanto, o culto doméstico resistiu por milênios, mesmo após a chegada do cristianismo. Algumas tradições sobrevivem até hoje em culturas como a chinesa e a japonesa, onde os antepassados ainda são reverenciados.


Conclusão

O culto dos mortos foi a base da religião greco-romana e moldou profundamente suas sociedades. Ele refletia uma visão de mundo centrada na família, na continuidade e no respeito aos antepassados. Embora muitos aspectos dessa religião pareçam estranhos para nós hoje, eles revelam como nossos antepassados buscavam compreender a vida, a morte e o além.


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